Este é um blog dedicado à bioluminescência de todo o mundo, mas com particular destaque a Portugal. Poesias, reportagens, imagens, descrições científicas é tudo bem vindo a este espaço.
Sunday, November 28, 2021
Achados de pirilampos, por Luís Guilherme Sousa
Sunday, November 07, 2021
Primeiras referências sobre estafilinídeos bioluminescentes na Europa
Em toda a literatura mundial, apenas se conhecem 2 referências sobre bioluminescência em Staphylinidae e todas foram obtidas no Brasil e referentes ao género Xantholinus Dejean 1821 (Costa et al. (1986), SP. Rosa (2010))
Existe muito poucas referências sobre comportamento luminoso de coleópteros que não sejam pirilampos (Lampyridae, Phengodidae e Elateridae), provavelmente porque são menos fáceis de observar.
Durante o meu trabalho de campo em Portugal, foi possível observar comportamento bioluminescente em estafilinídeos, em duas ocasiões: uma a 26 de Fevereiro de 2018, perto de Óbidos e outra a 20 de Dezembro de 2020, perto de Serpa.
Infelizmente, tal como no caso brasileiro, não foi possível tirar fotografias à luminescência: de ambos os estafilinídeos, pois foram encontrados de forma inesperada e a luz aparentemente é efémera.
Mas espero que no futuro próximo, e dada a experiência adquirida, seja possível fotografar e até filmar o fenómeno.
Aqui vou colocar um resumo sobre ambos achados:
Localidade: Concelho de Óbidos
Clima: Csa segundo Koppen-Geiger. Durante a época seca estival e quando o vento sopra de Noroeste (o que é comum nesta região), são frequentes os nevoeiros noturnos, e pode ser registada a presença de orvalho em numerosos locais.
Vegetação: Zona fortemente agrícola, mas ainda persistem resquícios de um carvalhal de zonas húmidas e quentes, em alguns vales, segundo a definição de Gonçalo Ribeiro Telles, com a presença de adernos (Phillyrea latifolia), medronheiros (Arbutus ulnedo), folhados (Viburnum tinus), loureiros (Laurus nobilis), carvalhos-cerquinhos (Quercus faginea), sobreiros (Quercus suber), fetos dos carvalhos (Davallia canariensis), heras (Hedera helix) entre outros. Tal vegetação, em parte, remonta-nos para os vestígios de uma floresta subtropical (tipo laurissilva) da época Terciária.
Condições meteorológicas durante a coleta: Tempo húmido, com a ocorrência ocasional de chuviscos, céu nublado e temperatura em torno de 14ºc.
Tipo de comportamento luminoso observado: Na noite de 28 de Fevereiro de 2018, um estafilinídeo adulto, foi observado (de perto), a brilhar durante a sua locomoção, uma luz contínua em vários segmentos dorsais, numa zona de solo húmido exposto (caminho estreito usado por pessoas). A luz durou cerca de 10 segundos, tendo o inseto apagado a luz de forma imediata (sem uma transição gradual), assim que parou de se mover. Assim que o inseto se imobilizou, a luz da lanterna revelou que era um estafilinídeo que estava a produzir luz. Após captura e numa caixa de petri, não foi possível, de observar a sua luz novamente, mesmo após tentar provocar a emissão da mesma, com toques, vibrações e sons.
A luz produzida pareceu-me semelhante à que já observei em alguns centopeias, sobretudo devido à sua distribuição nos segmentos dorsais e pelo facto de ser particularmente visível durante a locomoção do animal. No entanto a luz que observei em centopeias apaga-se de forma bem mais gradual, como foi o caso de uma centopeia do género Lithobius de cerca de 4 cm de comprimento (medida dentro de um grande tubo de Eppendorf), que foi encontrada no Parque Florestal de Monsanto, a 14 de Maio de 2016 (cerca de 00.20 am) que não só produziu luz verde em alguns segmentos, como excretou um fluído com propriedades luminosas. A produção luminosa desta centopeia foi detetada a cerca de 15 metros de distância, mesmo quando havia alguma luz ambiente (influência da lua) e foram precisos vários segundos até ficar completamente apagada (não menos que 30 segundos)
Não foi possível discernir a côr exata da luz, produzida pelo estafilinídeo, provavelmente devido ao pequeno tamanho do inseto (cerca de 1 cm de comprimento) e pela pigmentação escura dos segmentos dorsais.
Observações complementares: Estes estafilinídeos luminosos, foram encontrados na Reserva Lightalive «Quinta de Óbidos».
Numa caixa de petri (9 cm de diâmetro e 2 cm de altura), foi colocado um pouco de solo, papel humedecido, mas após 3 dias, o exemplar morreu.
Mais 2 exemplares, praticamente idênticos, foram capturados a cerca de 3 metros do local, onde foi feita a primeira observação. Um dos exemplares morreu após dois dias e o outro foi preservado em etanol
Raimundo Outerelo Domínguez (Universidad Complutense de Madrid) identificou os exemplares como adultos do género Quedius Casey, 1915.
Alguns exemplares foram mantidos com etanol a 96%, para permitir a elaboração de análises moleculares.
Informações sobre o segundo achado:
Localidade: Concelho de Serpa
Clima: No local da colheita, Csb, segundo Koppen-Geiger, mas pode chegar a BSh, nas zonas mais quentes e abrigadas do Vale do Guadiana (que ficam próximas).
Vegetação: Em muitos locais é esparsa e arbustiva, mas em alguns locais específicos foi possível de observar azinhais e zambujais. Junto a cursos de água existia alguma vegetação ripícola (Populus sp. Salix sp.).
Solo: Luvissolo (ocorrem aqui metabasaltos e dioritos).
Descrição do habitat no local exato da coleta: Zona de transição (encosta virada a Oeste), entre habitat mais fechado (vegetação ripícola com silvas (Rubus sp), freixos, choupos (Populus sp)). e aberto (berma de estrada de terra batida e zonas abertas em redor), perto de curso de água temporário. Este local húmido funciona com um pequeno oásis, estando rodeado de campos agrícolas, e zonas substancialmente mais secas e fica situado cerca de 124 metros de altitude.
Tipo de comportamento luminoso observado: Pulsares, de forma algo semelhante a uma larva de Lampyris, abrindo a luz por 2-3 segundos e após apagar a luz por cerca de 1 minuto, realizou outra sequência luminosa com a mesma duração e quando me aproximei, fez mais 3 repetições de pulsares (2-3 segundos cada um) mas desta vez com menos tempo de intervalo entre cada pulsar (20-30 segundos). A cor da luz observada, era sobretudo verde.
O último brilho produzido, permitiu que eu imediatamente apontasse a lanterna ao emissor de luz, conseguindo assim com êxito a sua captura.
Observações complementares: Numa caixa de petri (9 cm de diâmetro e 2 cm de altura), foi colocado um pouco de solo, papel humedecido e a larva foi mantida assim durante dois dias (algumas larvas de formigas foram colocadas dentro da caixa de petri, mas não se observou predação). Foram feitas tentativas de provocar a luminescência da larva, através de toques, sons e vibrações, mas a mesma não foi vista a brilhar de novo. Pouco depois foi conservada em etanol 96%.para permitir análises moleculares.
A larva tem cerca de 2 cm de comprimento e foi encontrada por volta da 1 da manhã (1 am).
Discussão: A bioluminescência em coleópteros (excluindo os pirilampos (Elaterídeos, Fengodídeos e Lampirídeos)) apenas tem sido reportada em Estafilinídeos.
No caso de Omalisinae (que são Elaterídeos) apenas se reconhece um representante bioluminescente: Omalisus fontisbellaquaei e alguns autores questionam que seja realmente luminescente: Bertikau (1891) foi o primeiro a indicar a presença de bioluminescência em larvas de O. fontisbellaquaei e mais autores consideraram a espécie como bioluminescente e como possuindo órgãos luminosos (Crowson, 1972; Lawrence 1991; Branham and Wenzel 2001, 2003), mas Burakowski (1988), capturou 4 larvas desta espécie, criou-as em cativeiro durante um período de 3 a 11 meses e nunca as observou a emitir luminescência.
Apesar de faltarem observações mais modernas da bioluminescência em Omalisinae, talvez seja prematuro inviabilizar a hipótese desta subfamília ter representantes bioluminescentes, pois pode ser que produza luz apenas temporariamente ou mediante certas condições.
A centopeia (Lithobius sp). que mencionei mais acima, foi capturada enquanto emitia luminescência profusamente e mantida em cativeiro durante cerca de 4 semanas, nunca mais foi vista a produzir luz novamente.(apesar de várias tentativas de tentar fazê-la brilhar (toques, barulho, vibrações)
Minhocas luminosas (Microscolex sp.) também já foram capturadas por mim, e a luminescência observada, ainda que fosse possível de presenciar ao segundo dia, normalmente extinguia-se ao terceiro ou quarto dia, mesmo após várias tentativas de provocar o fenómeno novamente (através de manuseamento e vibração) e assim permanecia por vários dias.
Até larvas de lampirídeos, em certos fases do ano, parecem demonstrar pouca ou nenhuma atividade luminosa, mesmo quando manuseadas (como é o caso de algumas larvas de L. paulinoi durante a primavera).
No caso das larvas de Xantholinus encontradas no Brasil, a luminescência também surge de forma restrita, diminuindo gradualmente poucos dias após a apanha até deixarem praticamente de brilhar.
Como tal e mediante os últimos achados, penso que é perfeitamente possível que algumas espécies sejam bioluminescentes, mas que só brilhem mediante certas circunstâncias.
Estado nutricional e fase do ano, poderão afetar a produção de luminescência visível, assim como o estado das reservas que são utilizadas na produção de luz, que poderão ficar vazias, imediatamente após um evento (ou vários) de produção luminosa.
Não sabemos quantas vezes, um certo animal, produziu luz antes de o encontrarmos e em cativeiro é perfeitamente possível que as reservas sejam gastas, mesmo durante o dia (em reação a simples vibrações do chão ou ruídos, por exemplo) inviabilizando a observação da sua luz em fases posteriores.
Deverá ser pertinente considerar, que para espécies em que hajam dúvidas sobre o seu estatuto como espécie bioluminescente (dado a falta de observações visuais diretas) sejam feitos testes moleculares para aferir a presença de luciferina e luciferase, por exemplo.
Penso que é realista sugerir, que pelo menos no caso dos estafilinídeos, de algumas oligoquetas e centopeias, é possível que a produção de luz, esteja sobretudo relacionada com a defesa contra a predação e que seja uma reação inata a potencias perigos, pois todos os momentos em que presenciei tal fenómeno, os animais foram perturbados, e tentaram fugir.
O muco luminoso, produzido por oligoquetas e quilópodes, pode também ter a função de cobrir um potencial atacante e torná-lo evidente a outros predadores, que estejam acima na cadeia alimentar (servindo assim de «burglar alarm»).
Já observei uma lacrainha (Forficula auricularia) coberta com muco luminoso produzido por uma minhoca (Microscolex sp). que tinha atacado (sem sucesso), e o inseto era bem visível no escuro, podendo ver-se inclusive um rastro luminoso que indicava por onde tinha andado e a luz que o cobria só apagou (de forma lenta e progressiva) passados vários segundos (>30).
Nos pirilampos a produção de luz com funções defensivas, tem sido amplamente documentada, tendo muito provavelmente a função de dissuadir e confundir potenciais predadores (a que tem sido designado de aposematismo) e o mesmo se pode observar em vários seres marinhos luminosos (como dinoflagelados, ofiurídeos, cefalópodes e crustáceos, por exemplo).
Os pirilampos, possuindo no geral uma luminescência mais especializada (com órgãos luminosos mais sofisticados) e evoluída do que os outros coleópteros luminosos (Staphylinidae) e do que centopeias e minhocas, conseguem utilizar a luminescência de forma mais constante e para diferentes fins (entre os quais, a reprodução).
Conclusão: Foram encontrados pela primeira vez, estafilinídeos luminescentes na Europa, e foi também inédita a observação de luminescência no género Quedius.
Mais géneros de Staphylinidae poderão ser bioluminescentes.
Em Portugal, a bioluminescência em estafilinídeos, foi observada durante fases húmidas, em zonas de transição de habitat aberto para fechado, junto a vegetação ripícola e a cursos de água.
Espero que esta curta comunicação reforce a ideia de que é necessário continuar a averiguar se existem mais espécies e géneros luminescentes de que ainda não se tenha conhecimento, de realizar estudos moleculares e a importância da conservação de galerias ripícolas.
Monday, November 01, 2021
Reservas Lightalive: Novidades 2020/2021
Os espaços designados como «Reservas Lightalive», pelo nosso projeto, são zonas onde os seres bioluminescentes, as noites escuras e os ecossistemas locais, são reconhecidos e preservados.
Mas para existir tal designação são necessárias comunicações entre o nosso projeto e os proprietários e gestores, desses locais.
A Quinta de Óbidos, pertence ao projeto Lightalive e além da agricultura biológica, funciona como uma estação de monitorização e conservação de fauna e flora locais.
Em 2020 e 2021, houveram novos acontecimentos nas reservas Lightalive e duas novas reservas, juntaram-se à rede: Quinta da Charneca e Mata Pequena.
Reserva Lightalive «Mata Pequena»
Entre carvalhais, pastos e matagais e perto de um vulcão adormecido (Penedo do Lexim) situa-se a nova reserva Lightalive da Mata Pequena, que apresenta uma complexa geologia, flora e fauna.
O Penedo do Lexim, pertence ao complexo vulcânico de Lisboa e está classificado como um geossítio de relevância nacional pela ProGEO, tendo sido estimado o seu período de atividade até há cerca de 72 milhões de anos atrás, quando alimentava um pequeno aparelho vulcânico à superfície.
Também é uma zona com importância arqueológica, pois apresenta vestígios de um dos primeiros fortificados calcolíticos e da Idade do Bronze, na P. Ibérica, tendo obtido a classificação como Imóvel de interesse público.
A pitoresca e antiga Aldeia da Mata Pequena (que se pode ver nas 4 fotos embaixo), também está situada nesta nova reserva, e protege um legado arquitetónico de extrema importância, estando inserida conjuntamente com a área em seu redor, na zona de proteção especial do Penedo do Lexim.
Vídeo aéreo da Aldeia da Mata Pequena
Em termos de expressão arbórea, estão aqui presentes espécies como o carvalho-cerquinho, o carrasco, o zambujeiro, a azinheira, o freixo e o medronheiro, entre outros, enquanto no substrato arbustivo e subarbustivo, cresce a madressilva, a urze-branca, o rosmaninho e a murta.
A reserva Lightalive da Mata Pequena, tem também uma interessante e importante expressão faunística, estando aqui descritas como presentes, espécies de rapinas, como a águia de Bonelli (Aquila fasciata), que tem aqui um dos raros locais de ocorrência na Estremadura, o peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus), a águia-de-asa-redonda, o mocho-galego, a coruja das torres, o bufo-real e outras aves estão aqui também presentes como a galinha de água (Gallinula chloropus), a perdiz-vermelha, a poupa e uma grande diversidade de passeriformes, entre os quais o rouxinol-comum.
O legado dos mamíferos, está aqui representado pelo javali, pela raposa, pelo coelho-bravo, pelo mangusto e uma série variada de micromamíferos.
Em termos de entomofauna, está aqui presente a maior cigarra da Europa, também conhecida por cegarregão (Lyristes plebejus), sendo assim aqui o único local do distrito de Lisboa, onde é conhecida sua presença e também têm sido avistados pirilampos de 3 espécies: Luciola sp. Lamprohiza paulinoi e Lampyris iberica.
Já desde 2017 que se dão aqui voltas para observar pirilampos, sempre com a cooperação entre o projeto Lightalive e os proprietários da Mata Pequena.
No ano passado,não se realizaram voltas para observar pirilampos na Mata Pequena, devido ao Covid, mas este ano, a 5 de Junho, realizou-se uma apresentação sobre o tema da bioluminescência e em seguida houve uma caminhada para observar os pirilampos da reserva.
A caminhada durou cerca de uma hora e 15 minutos, durante a qual foi possível observar, centenas de pirilampos, de pelo menos, duas espécies..
Reserva Lightalive «Quinta da Charneca»
Desde 2019 que ficou decidido que esta quinta devia fazer parte da rede, tendo tal sido concretizado em 2020 (mais detalhes poderão ser vistos aqui https://pirilampos-lightalive.blogspot.com/search?q=quinta+da+charneca).
Na Quinta da Charneca, em 2021, os primeiros pirilampos adultos (Luciola sp). foram avistados a 26 de Março.
A 3 de Abril um dos pirilampos entrou em casa tendo sido depois libertado de volta ao exterior:
A 24 de Abril, segundo o proprietário, foram avistados milhares de pirilampos (talvez entre 2 a 3 mil) apenas dentro da reserva, e nos olivais tradicionais situados em redor, até onde a vista alcançava, talvez estivessem presentes mais alguns milhares (podendo até exceder os 10.mil) sobretudo em zonas cobertas por olivais tradicionais cobertos com vegetação espontânea.
Os últimos pirilampos adultos, foram avistados até à primeira
quinzena de Julho.
Vegetação ripícola que foi plantada na reserva, junto a um ribeiro temporário, está em franco desenvolvimento:
Em 2021, notou-se um aumento da presença do pica-pau-galego (Dendrocopos minor) e de poupas (Upupa epops) e a felosa-musical (Phylloscopos trochilus) chegou antes do que é normal.
Fêmeas de Lampyris iberica, foram avistadas em meados de
Junho (mesmo debaixo de chuva intensa), e no início de Julho.
Foi avistada também uma larva:
Reserva Lightalive «Biovilla»
Nos dias 22 e 29 de Maio de 2021 realizaram-se saídas noturnas para
observação de pirilampos na Reserva Lightalive Biovilla.
Várias pessoas compareceram em ambos os eventos, mas foi
necessário algum distanciamento e durante boa parte do tempo, houve necessidade do uso da máscara.
No dia 29 de Maio, a noite esteve amena e o vento fraco,
e avistaram-se muito mais pirilampos do
que 22 de Maio, que apresentou uma noite mais fresca e ventosa.
Pirilampos do género Luciola, foram avistados em ambas as saídas, tendo sido vistos em grande quantidade numa zona particular da reserva.
No lado esquerdo, pode-se ver um candeeiro virado para baixo, para minimizar o impacto da luz artificial na escuridão natural da noite: