Wednesday, October 11, 2017

Possíveis funções do prototorax em pirilampos




Fotografia de Land a um retrato de Darwin através da córnea de um pirilampo (Photuris sp.), mostra que esta óptica conduz à formação de uma imagem direita e não invertida:




Foto retirada de um artigo espanhol (http://www.elsevier.es/es-revista-archivos-sociedad-espanola-oftalmologia-296-articulo-evolucion-historica-nuestro-conocimiento-del-S0365669115003482).

Possíveis funções ópticas do prototorax ou protórax (por vezes designado vulgarmente de «pronoto», «viseira» ou «capacete») avançadas no estudo, logo acima:

- Função pára-sol: ao reduzir os reflexos existantes en noites de lua cheia. A ser verdade, os pirilampos que vivem em zonas abertas, devem ter um prototorax maior e os que vivem em zonas florestais devem ter um prototorax mais pequeno (tal só poderá ser demonstrado comparando o tamanho destas estruturas em pirilampos que vivam em ambos habitats).
- Função antena-parabólica: ao refletir a luz frontal e concentrando-a na porção dorsal do olho. A sua forma curvada e centrada na cabeça torna plausível uma função deste tipo.
-Função tela: ao modular o campo visual a partir do momento em que a fêmea se torna adulta, o protórax, protege a visão de estímulos dorsais (que possam distrair a fêmea da sua função reprodutora (pois as fêmeas adultas de Nyctophila reichii apenas vivem cerca de 2 semanas e tanto quanto se sabe, não comem durante este período)).
Os autores deste estudo, avançam a possibilidade de facilitar a deteção visual da aproximação de um macho, pelo lado ventral.
Já no macho, ainda que a viseira esteja presente nesta espécie, não protege na totalidade os olhos de estímulos visuais dorsais.


                                                           Fêmea de Nyctophila reichii



                                                                 A minha opinião

Sem dúvida que o prototorax pode ter um papel importante no campo visual, mas também na proteção da cabeça e olhos do pirilampo.
Machos de diferentes espécies foram vistos a cair junto a luzes especificamente desenhadas para os atrair (a simularem fêmeas) e muitos poderiam ficar decepados ou sem olhos, caso não tivessem esta «viseira».
Quando são atacados ou simplesmente tocados, tanto machos, como fêmeas e até larvas, encolhem os olhos e a cabeça, para bem debaixo do prototorax, mais uma vez sugerindo a sua função protetora. Também quando estão a dormir, a hibernar ou a repousar, se observa este retrocedimento da cabeça e olhos, para debaixo do prototorax.
Por vezes, as fêmeas adultas caem dos seus pontos de iluminação e mais uma vez, o prototorax pode aqui desempenhar uma função extra de proteção.

Tanto machos, como fêmeas e larvas, já foram vistos a usar as pontas afiadas do prototorax, como pás, para explorar e abrir caminho na vegetação e no solo.

Contudo, sem dúvida que é possível que haja um dimorfismo sexual, em termos ópticos, na função do prototorax.
Enquanto as fêmeas de Nyctophila reichii, normalmente apresentam um prototorax mais opaco, os machos, pelo contrário, por vezes aparentam até ter janelas (que possivelmente permitem detetar as luzes das fêmeas desde diferentes ângulos e posições).
Um estudo sobre a produção de bioluminescência de baixa intensidade, ao longo de quase todo o corpo, na espécie Lampyris noctiluca foi publicado em 2014 (https://www.schweizerbart.de/papers/entomologia/detail/35/83020/Bioluminescent_leakage_throughout_the_body_of_the_glow_worm_Lampyris_noctiluca_Coleoptera_Lampyridae).
Um pouco mais tarde, no mesmo ano (e sem saber ainda desta descoberta), observei uma fêmea de Lampyris iberica a brilhar uma luz de baixa intensidade (mas perfeitamente visível a olho nu) em praticamente quase todo o corpo (tal aspecto também foi observado prontamente por uma pessoa que participou em uma volta de campo em que fui guia (iniciativa Lightalive/Almargem) mesmo com alguma luz ambiente em redor.
Também  este ano, observei o mesmo a acontecer numa fêmea de Nyctophila reichii e a bioluminescência em praticamente quase todo o corpo era possivelmente ainda mais intensa do que na Lampyris iberica (talvez porque a N. reichii tenha uma côr mais clara e logo poderá ser melhor condutora de uma luminescência corporal de tipo mais generalizado).
Qual a razão para o uso deste tipo de luz, que pode durar mais de 5 minutos, tão distinto das luzes que habitualmente vemos estas espécies a produzir, quando damos uma volta pelo campo,(com 2 grandes luzes, localizadas no sexto e sétimo ventritos abdominais, respetivamente e um par de luzes pequenas no oitavo (reminiscentes das formas larvares)), durante cerca de 2 a 3 horas?
Quando brilharam desta forma nunca antes documentada , as luzes normais de sinalização para a atração de um parceiro ou para dissuadir os predadores estavam apagadas (pelo menos durante as minhas observações) e na maioria das vezes foram vistas a brilhar desta forma generalizada, enquanto se deslocavam (ainda que nem sempre).
Será que serve para iluminar o caminho, nas suas deslocações subterrâneas, ou debaixo do humus florestal ou quando andam em zonas expostas, mas bastante escuras? Será que serve de proteção contra um tipo de específico de predadores? Servirá para mais do que um propósito?
Realmente os olhos das fêmeas, estão muito menos desenvolvidos, que os olhos dos machos, e por isso uma ajuda luminosa pode facilitar a sua orientação, mas tanto machos como larvas também apresentam de alguma forma, este tipo de luminescência (ainda que menos desenvolvida), que só recentemente foi descrita, tanto pelo estudo de 2014 aqui apresentado,  como pelas minhas observações aqui colocadas (no caso da Nyctophila reichii e da Lampyris iberica, são aliás os primeiros testemunhos que se conhecem).
 Por isso, ainda não se sabe ao certo, qual a função desta luz, e se o capacete ou prototorax, tem um papel muito específico ou antes multifacetado, também no aproveitamento desta forma de luminescência
Mas não existe evidência, que a função tela, que também é mencionada pelo estudo colocado acima (relativo à função óptica do prototorax), ajude a fêmea a visualizar o macho, pelo menos, por este supostamente aproximar-se pelo lado ventral...Pois o que tem sido observado no campo, tem sido geralmente um tipo de aproximação, pelo lado dorsal.


Nyctophila reichii macho


Segundo o que apresentei no International Firefly Meeting realizado em Gaia em 2007, esta espécie, pelo menos em Portugal,  realmente é das que se encontra mais frequentemente em zonas secas e em habitats com vegetação mais dispersa (será que dá suporte a uma função de pára-sol, pois as fêmeas desta espécie quase nunca são avistadas em meio florestal?).

Também falei da sua coloração conspicua, útil sobretudo em micro-habitats mais abertos, que poderá estar relacionada com uma estratégia anti-predatória.
A fêmea de N. reichii, tem um prototorax, de côres vivas e que contrasta normalmente com as cores presentes em redor, variando entre o laranja,  o salmão e o rosa, e por isso pode ter um papel adicional, na sinalização protetora do animal, avisando potenciais predadores da sua impalatibilidade e/ou toxicidade e prevenindo ataques, que poderão pôr em risco a vida do pirilampo, mesmo caso este seja rejeitado, após ser atacado.

Também tem-se observado opacidade e um bom desenvolvimento do prototorax em fêmeas de espécies e géneros, que preferem zonas mais húmidas ou escuras, ainda que realmente as fêmeas depois também apareçam a brilhar uma luz contínua em zonas abertas, como é o caso do género Lampyris.
Espécies com hábitos aparentemente mais subterrâneos, como é o caso do Phosphaenopterus metzneri, também têm fêmeas com prototorax opacos, contudo nunca foram vistas no exterior a brilhar para atrair um macho, e apenas foram observadas (em Maio de 2017) a produzir luminescência, enquanto se deslocavam, em repouso ou em caso de perturbação. Será que quando vêm à superfície, a viseira opaca ajuda-as a concentrar a visão, no lado ventral (protegendo-a de estímulos dorsais)? Não se sabe ainda.


Concluindo, penso que  presença de um prototorax grande e opaco, em certos géneros e espécies de Lampirídeos (mesmo que se considerem apenas as fêmeas), pode dever-se a várias motivos (mesmo além dos ópticos) sendo que cada um tem um peso diferente, consoante a espécie, o micro-habitat, o clima, etc...


Algumas analogias, quanto ao tipo de papel que o prototorax pode desempenhar, em Lampirídeos:







                         






                                           A juntar a estes e no caso específico da N. reichii:

                                                 
                                                    

                                                     

11 comments:

Rita Fernandes said...
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Tânia C. said...

´
Também gostei muito e não sabia que o capacete tinha tantas funções.

Lightalive said...



Obrigado, Tânia.

Rita Fernandes said...



Acabei por apagar o meu comentário sem querer...

Mas aproveitei para ler melhor, e além das luzes espectaculares que desconhecia que estas espécies produziam, fiquei também admirada com o papel do protorax... Ou melhor dizendo, papeis...

Obrigada!

Pleiades said...



Muito interessante, e é algo que nunca pensei!

Por exemplo, como é que espécies que supostamente se pensavam serem tão bem conhecidas, em termos de luminosidade, guardaram este segredo, até tempos tão recentes? Dá que pensar.

Lightalive said...



Ainda bem que a Rita gostou.


A que espécies o Pleia Des se refere?

Pleiades said...

Olá


Referia-me mais à Lampyris noctiluca.

Lightalive said...



Então aí concordo perfeitamente!

Mas acredite que quase nenhuma espécie de vaga lume é bem conhecida na Europa (só mesmo o Lampyris noctiluca e relativamente bem, talvez mais umas 2 ou 3 espécies).

Pelo que parece, as espécies Asiáticas e Americanas, são melhor conhecidas pela Ciência.

Pleiades said...



Pois acredito...

Já agora quais são as espécies melhor conhecidas na Europa?

Lightalive said...



Na minha opinião: Lampyris noctiluca (talvez a mais estudada de todas as espécies europeias), Lamprohiza splendidula, Phosphaenus hemipterus e existem estudos antigos sobre uma espécie de Luciola que vive em França. Penso que só testes genéticos é que poderão definir se a espécie que vive em Portugal é a mesma que existe em França (pois as populações de Luciola que existem em ambos os países, estão bem afastadas).
Também existem umas publicações antigas sobre a espécie Pelania mauritanica (de cuja presença na Europa, pouco se sabe)..
Como não estou a consultar documentos, pode haver algo mais para dizer, mas posso fazer uma pesquisa detalhada mais tarde, e se algo faltar, depois venho aqui mencionar.
Tanto quanto sei, todas as outras espécies são menos conhecidas (ainda que algumas tenham recebido alguma atenção nos últimos 15 anos).

Pleiades said...


Obrigado pela informação, então ainda falta muito por descobrir.